quinta-feira, maio 16, 2024

A crise do sistema educacional na Alemanha

Falta de assistentes sociais e educadores, violência em alta entre alunos e cada vez mais professores à beira de um ataque de nervos. Principalmente após a pandemia, escolas do país pedem socorro.

Em alguns dias, tudo ainda está nos conformes para a ministra da Educação da Alemanha. Por exemplo, quando os melhores professores são homenageados, como acontece todos os anos. E Bettina Stark-Watzinger tem a honra especial de fazer um discurso exaltando os vencedores do Prêmio dos Professores Alemães. O professor de matemática, por exemplo, que, de acordo com seus alunos, torna divertida até mesmo a aula mais insuportável. Ou a professora de educação especial que inclui alunos cadeirantes em seu projeto de teatro. Ou o professor que incorpora em suas aulas vídeos produzidos por ele mesmo.

Então, tudo está uma maravilha na Alemanha, terra dos poetas e pensadores? Nem tanto.

Porque nas últimas semanas e meses, um estudo após o outro deixou claro que o sistema educacional alemão precisa urgentemente de um corretivo. Em primeiro lugar, houve o estudo Pisa divulgado em dezembro, no qual os alunos alemães tiveram um desempenho pior do que nunca em matemática e leitura.

Em outro estudo, jovens criticaram um déficit gritante de digitalização nas escolas alemãs e o fato de que elas não os preparam para o mundo do trabalho e para a vida real. Além disso, quase um em cada dois professores (47%) relatou ter testemunhado violência psicológica ou física entre os alunos no chamado Barômetro Escolar Alemão.

“Vemos nos resultados como um retrato de um sistema doente”, explica Dagmar Wolf. A ex-professora é diretora de educação da Fundação Robert Bosch, em Stuttgart, que entrevistou mais de 1.600 professores através da internet para o levantamento Barômetro Escolar. Ela disse ainda à DW: “Estamos falando de bullying, estamos falando de vandalismo, e também de brigas físicas, algumas das quais, é claro, vão além do pátio da escola. Recebemos até mesmo relatos de situações em que os pais estavam envolvidos. É uma exceção, mas não é que não ocorra.”

Violência até em escolas primárias

No passado, também seria impensável que o secretário de Educação de Berlim tivesse que enviar uma carta a 800 escolas para alertá-las sobre um boato no Tiktok, onde uma notícia falsa sobre um “Dia Nacional do Estupro” se tornou viral, dizendo que em 24 de abril a agressão sexual estava permitida. As crises geopolíticas e as guerras também têm um impacto. De acordo com Wolf, os diretores de escolas relatam que também houve um crescimento da violência entre os alunos devido à guerra em Gaza e Israel.

Quem pensa que esse é um problema apenas das escolas secundárias está enganado – mesmo nas escolas primárias, ou seja, entre os alunos de 6 a 10 anos, são registrados os primeiros casos de bullying e brigas.

A conclusão: quando se trata de educação, a Alemanha é um país dividido em dois. De um lado, estão as mais de 3 mil escolas de ensino fundamental, com condições e desafios completamente diferentes das escolas frequentadas principalmente por crianças e jovens com histórico de migração e originários de contextos educacionais menos favoráveis. Por outro lado, existe a tarefa hercúlea para todas as escolas da Alemanha: acolher refugiados.

“Nos últimos dois anos, integramos ao sistema educacional mais de 200 mil crianças da Ucrânia. E ao menos o mesmo número de crianças de outros países onde há grandes dificuldades econômicas ou onde há guerra civil ou condições semelhantes à guerra. E isso, obviamente, torna a situação na escola primária muito mais difícil do que era 10 anos atrás”, diz Dagmar Wolf, da Fundação Robert Bosch.

Desafios pós-pandemia

Para se ter uma ideia de como a vida cotidiana e o comportamento nas escolas mudaram nos últimos anos, basta conversar com Torsten Müller (nome fictício). Ele é assistente social em uma escola no estado de Renânia do Norte-Vestfália, no noroeste alemão, e ouve todos os dias as necessidades, as preocupações e os problemas dos alunos.

Ele tem a seguinte explicação para o aumento do estresse, da exaustão, da insegurança e da falta de motivação, que o estudo sobre jovens também constatou: “O fator decisivo é, obviamente, o uso do telefone celular, que também mudou a forma como nos comunicamos uns com os outros. Os jovens falam mais uns sobre os outros do que uns com os outros, e surgem mal-entendidos que não aconteciam em situações cara a cara. E ainda estamos lidando com os efeitos posteriores da pandemia do coronavírus, com um aumento significativo de doenças psiquiátricas.”

O fechamento das escolas por meses é considerado o maior erro da política alemã contra o coronavírus: enquanto as escolas ficaram fechadas por apenas 56 dias na França, 45 dias na Espanha e 31 dias na Suécia, os alunos na Alemanha tiveram que ficar em casa por mais de 180 dias. Müller afirma que o pavio é muito mais curto para muitos jovens hoje em dia. Eles estão mais propensos a trocar socos ou empurrões do que argumentos. A escola tenta neutralizar isso com o treinamento de anti-violência, e o assistente social e sua equipe ministram esses tipos de curso, que duram três dias.

Transmitimos conhecimento sobre como surgem as discussões e o que posso fazer como grupo ou como indivíduo para evitar entrar nessa situação. Como funciona o bullying, que todo segundo ou terceiro aluno já vivenciou na própria pele. Em seguida, praticamos exercícios para desenvolver uma estratégia conjunta para combatê-lo.”

Necessidade de mais psicólogos na escola

Turmas menores com o mesmo número de professores, um bom sistema de apoio e a expansão do trabalho social e da assistência psicológica nas escolas são a receita de Müller para colocar as escolas da Alemanha de volta nos trilhos.

A receita do presidente da Associação de Professores da Alemanha, Stefan Düll, entretanto, tem uma lista muito maior de ingredientes. “Precisamos de mais pessoas que possam ensinar alemão como língua estrangeira. Precisamos de pessoal de apoio nas áreas de psicologia escolar, assistência escolar e trabalho com jovens. Mas não podemos mais encontrar pessoas tão facilmente, porque as tendências demográficas vão contra a demanda. Ela está ficando cada vez maior, e os trabalhadores qualificados de que precisamos são cada vez mais escassos. A coisa toda não funciona mais assim”, diz ele à DW.

Assim, a frustração também está crescendo entre os professores, que cada vez mais precisam mediar conflitos em vez de ensinar. Segundo o Barômetro Escolar, um em cada três professores se sente emocionalmente esgotado em durante vários dias. Com 27%, mais de um quarto dos entrevistados deixaria a profissão de professor – embora a grande maioria dos professores ainda esteja satisfeita com seu trabalho. E o maior desafio agora é considerado o comportamento dos alunos.

É por isso que são necessários mais funcionários para evitar a violência, diz o diretor de uma escola secundária na Baviera, sul da Alemanha. No entanto, se determinados limites forem ultrapassados, somente uma política de tolerância zero poderá ajudar, segundo ele. “Em um determinado momento, isso simplesmente acaba e entramos na esfera do direito penal, com uma denúncia à polícia para que também haja um efeito de dissuasão. Aliás, isso também se aplica a casos de bullying. Muitos diretores de escola também denunciam na polícia casos de cyberbullying.”

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