segunda-feira, abril 29, 2024

Deficiência

Após morte de jovem autista, Mitoso chama atenção para medidas contra o bullying nas escolas

Parlamentar defendeu abordagem abrangente sobre o tema com a participação de setores da sociedade

Parlamentar é autor de duas leis que tratam sobre o combate ao bullying nas escolas. (Foto: Mauro Pereira)

Durante Sessão Plenária desta segunda-feira (22/04), o vereador Mitoso (MDB) destacou a necessidade de medidas eficazes para combater o bullying. Segundo Mitoso, a discussão deve ser ampliada após a tragédia envolvendo um jovem autista em São Paulo.

De acordo com o parlamentar, é necessária uma abordagem que inclua ações educativas, políticas públicas eficazes e o envolvimento de toda a comunidade na prevenção e combate ao bullying. O vereador também fez um apelo à sociedade em geral.

“Somente através de uma abordagem abrangente e do compromisso de todos os setores da sociedade podemos criar um ambiente onde cada criança se sinta segura, respeitada e valorizada”, disse Mitoso.

Mitoso também destacou a importância de uma maior conscientização e educação sobre o bullying, tanto dentro quanto fora das escolas. O parlamentar ressaltou que é fundamental que as crianças, pais, professores e toda a comunidade estejam cientes dos sinais de bullying e saibam como agir diante da situação.

Leis – Mitoso afirma que é um defensor dos direitos das crianças e jovens, mencionando leis que propôs para combater o problema, entre elas a Lei Municipal de Combate ao Bullying Escolar, que estabelece o dia 1º de março como o Dia Municipal de Combate ao Bullying em Manaus. Além disso, ele cita a lei que institui o “Março Laranja” como mês de prevenção ao bullying escolar na cidade de Manaus.


Manaus 22 de abril de 2024

AutismoBullyingPolítica

Além da infância: adultos autistas enfrentam desafios sociais e buscam compreensão

Pedagoga e professora na Escola Municipal Francisca Pessoa Mendes, em Paranaguá, Daniele recebeu um diagnóstico tardio de autismo, aos 38 anos, em 2023. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

A campanha do Abril Azul busca sensibilizar e mobilizar a comunidade sobre as questões relativas ao autismo, com o objetivo de construir uma sociedade mais informada, tolerante e inclusiva. Neste contexto, o JB Litoral apresenta uma reportagem especial sobre os desafios enfrentados por adultos no espectro autista. Frequentemente mascarado ou mal compreendido em adultos, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) abrange uma ampla gama de intensidades e pode dificultar a integração social dos afetados.

Embora o autismo geralmente seja identificado na infância, diagnósticos em adultos estão se tornando cada vez mais comuns. Contudo, o TEA possui diversos graus de intensidade e pode ser difícil de reconhecer sem a atenção adequada. Muitas pessoas no espectro passam anos, ou até décadas, enfrentando desafios desconhecidos, sentindo-se deslocadas e “diferentes” sem entender o motivo.

O neurologista Dr. Matheus Trilico, especialista no diagnóstico e tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos, compartilha, em seu site na internet, informações sobre a condição. “O Transtorno do Espectro Autista ocorre em todas as idades, grupos raciais, étnicos e socioeconômicos. O autismo é geralmente caracterizado por dificuldades sociais, de comunicação e por comportamentos repetitivos ou estereotipados, embora os sinais do transtorno possam se apresentar de maneiras muito variadas entre as pessoas”, explica.


Autismo em adultos


Dr. Trilico destaca que os principais desafios enfrentados por indivíduos com TEA incluem o desenvolvimento típico da linguagem, a interação social, os processos de comunicação e o comportamento social. Além disso, ele observa que adultos autistas que não foram diagnosticados na infância, mas que vivem de maneira bastante integrada à sociedade, trabalhando e estudando em ambientes regulares e que iniciaram famílias, geralmente apresentam sintomas de menor gravidade dentro do espectro.

Os sinais de autismo leve em adultos tendem a ser mais pronunciados na interação e comunicação social do que no próprio desenvolvimento cognitivo, pois não há deficiência intelectual ou mental. Por esse motivo, pode ser muito difícil detectar os sintomas de autismo em adultos, mas alguns sinais nos dão pistas importantes”, esclarece.

Sempre senti que havia algo diferente em mim”


O autismo é uma condição permanente, e entender como ele afeta cada fase da vida é essencial para assegurar a qualidade de vida e a inclusão social de pessoas autistas. “Sempre senti que havia algo diferente em mim. Durante a infância, eu conseguia falar, mas optava pelo silêncio. Sabia andar, mas relutava em colocar os pés no chão. Na escola, não fazia amigos, e essa sensação de isolamento persiste até hoje“, relata Daniele Malquevicz, de 39 anos, casada e mãe de três filhos.

Pedagoga e professora na Escola Municipal Francisca Pessoa Mendes, em Paranaguá, Daniele recebeu um diagnóstico tardio de autismo, aos 38 anos, em 2023. A descoberta veio após ela notar um aluno que se comportava de maneira notavelmente semelhante a ela na infância.

Era como se estivesse vendo uma versão mais jovem de mim mesma. Ele agia como eu agia, e isso despertou memórias que eu tinha reprimido. Eu podia prever o que ele estava passando. Ao mesmo tempo, ele destoava de todo o resto da turma“, conta ela. Isso levou a professora a encaminhar o aluno para uma avaliação especializada e, simultaneamente, a questionar sua própria história.

Motivada por essa identificação, Daniele procurou o auxílio de psicólogos e de um neurologista especializado em diagnóstico de autismo em adultos. Após uma consulta detalhada, o especialista confirmou: ela estava no espectro autista. Esse diagnóstico abriu um novo caminho de autoconhecimento e entendimento sobre sua trajetória de vida.

“(Receber o diagnóstico) Foi, de certa forma, um alívio. Trocar tantos rótulos — de fresca, chata, louca, burra — por um diagnóstico claro foi libertador”, diz Daniele. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Diagnóstico traz alívio


De acordo com a psicóloga Natalie Brito Araripe, especialista em análise comportamental e com mais de uma década de experiência em terapia ABA para autismo, a maioria das pessoas que recebem um diagnóstico tardio relata sentir um grande alívio ao obter a confirmação. “Pois, a partir disso, conseguem entender vários comportamentos e sofrimentos que perduraram por anos. O diagnóstico vem como uma ferramenta de alívio e mostra o peso que é não ter acesso a alguns direitos e terapias”, afirma ao JB Litoral.

Mesmo antes do diagnóstico, Daniele já notava desafios em sua vida diária, como dificuldades em socializar e uma certa rigidez comportamental. “Percebi que algo não estava certo em 2022, logo após a morte do meu pai“, ela compartilha. “Foi no meu segundo dia de trabalho aqui na Escola Municipal Francisca Pessoa Mendes, e minha irmã me ligou para dar a notícia. Ele morava em Salvador. Não fui ao velório nem ao enterro porque senti que precisava trabalhar. Essa rigidez é problemática, mas eu simplesmente não consegui me permitir faltar ao trabalho para ir ao funeral“, lamenta.

Quando finalmente recebeu o diagnóstico, Daniele experimentou um misto de temor e alívio. “Foi, de certa forma, um alívio. Trocar tantos rótulos — de fresca, chata, louca, burra — por um diagnóstico claro foi libertador. É complicado lidar com essas etiquetas. Saber que estou no espectro autista me trouxe alívio, porque agora sei quem sou e posso buscar o apoio necessário, como tratamentos e terapias“, reflete.


Sintomas do autismo em adultos


Sintomas como dificuldades em reconhecer e expressar emoções, desafios nas interações sociais, alta sensibilidade sensorial, rigidez mental e inflexibilidade cognitiva são frequentemente observados em indivíduos com autismo. Adultos autistas muitas vezes encontram barreiras ao socializar, especialmente ao interpretar sinais sociais sutis. Eles podem apresentar déficits tanto na comunicação verbal quanto na não-verbal, enfrentando obstáculos ao tentar compreender mensagens implícitas.

Segundo o Dr. Matheus Trilico, muitos têm dificuldade em perceber e entender expressões faciais e sinais não verbais. Interpretar metáforas, ironias e piadas com mensagens subliminares pode ser particularmente desafiador. Alguns podem parecer indiferentes ou mostrar pouca empatia, tendo dificuldades para reconhecer emoções em outros, como tristeza, raiva, tédio ou mesmo alegria, a menos que sejam expressas de forma muito evidente.

Outras dificuldades incluem a relutância ou desconforto em demonstrar ou receber afeto, onde a proximidade física, toques ou contato podem ser percebidos como extremamente desagradáveis. Lidar com os próprios sentimentos ou os sentimentos alheios também pode ser um desafio. “Geralmente, esses indivíduos preferem uma linguagem direta e formal, o que às vezes pode ser interpretado como uma sinceridade excessiva. Eles também tendem a trabalhar melhor sozinhos do que em equipe, enfrentam dificuldades em se adaptar a mudanças e preferem manter suas rotinas”, explica o neurologista.

Além disso, muitos autistas exibem um hiperfoco em tópicos ou interesses específicos e têm uma sensibilidade acentuada a sons. Podem apresentar restrições alimentares baseadas na cor, textura, sabor ou cheiro dos alimentos.


Nós existimos além da infância


Foi apenas neste ano que Daniele começou a usar um cordão de identificação de autismo, que serve para informar aos outros sobre sua condição, buscando acolhimento e um atendimento adequado. No entanto, ela relata que aceitar sua condição de autista não foi um processo simples.

Meu objetivo é mostrar para a sociedade que nós, autistas, existimos além da infância. A criança autista não deixa de ser autista ao crescer. A criança que é ajudada durante uma crise é o adulto que será hostilizado e julgado quando enfrentar uma crise similar. A criança que recebe apoio e palavras de conforto é o mesmo adulto que será abandonado e criticado por supostamente ‘fazer cena por nada’“, explica Daniele.

Ela enfatiza que o autismo não desaparece com o tempo, mas que os adultos no espectro muitas vezes aprendem a mascarar certos sinais e a adotar comportamentos socialmente aceitáveis para se adaptarem. “Ainda assim, continuamos nos sentindo excluídos. No meu caso, que fui diagnosticada apenas tardiamente, não tive acesso a terapias ou aprendizado comportamental. Isso resultou em uma série de inadequações, falta de filtro e sinceridade excessiva. Com o passar dos anos, isso desencadeou depressão e, mais recentemente, ansiedade, comorbidades comuns para quem está no espectro“, ela relata.

Para Daniele, usar o cordão de autismo não é um ato de exibicionismo, mas sim uma medida consciente e educativa. Descobrir-se autista aos 38 anos, após décadas de sofrimento e inadequações sociais, transformou sua perspectiva. “Usar o cordão é minha maneira de conscientizar a população sobre a importância da empatia para com todas as pessoas, especialmente porque muitas deficiências são invisíveis. É um ato de liberdade, que me permite ser quem eu sou sem medo de julgamentos“, conclui.


Como ajudar?


A psicóloga Natalie Brito Araripe oferece orientações sobre como amigos, familiares e parceiros podem prestar melhor apoio a adultos autistas em seu cotidiano. Ela enfatiza a importância de reconhecer a individualidade e as habilidades de cada pessoa autista.

Há muitas coisas que eles fazem muito bem, portanto, aceitar é, sem sombra de dúvidas, a primeira ação que deve ser tomada“, explica Natalie.

Outro aspecto a considerar é entender quais são as acomodações de que a pessoa autista necessita; assim, devemos perguntar qual adaptação ela precisa no trabalho, em casa, entre outros locais. Um exemplo de acomodação pode ser a necessidade de reduzir a intensidade de luzes muito fortes ou diminuir ruídos altos. Portanto, é importante estarmos sensíveis a essas dificuldades e fornecermos as acomodações necessárias“, finaliza a psicóloga.

Autismo

Conscientização sobre o autismo é foco em Abril

Como a psicologia pode auxiliar na compreensão do TEA

Já  Abril, mês da conscientização sobre o autismo, porém também é necessário entender que o autismo não é algo padronizado, sua natureza diversa e de diferentes níveis pode confundir um público desavisado. O Transtorno do Espectro Autista representa uma ampla gama de condições caracterizadas por deficiências na função executiva para habilidades sociais, comportamentos insistentes e repetitivos, fala e comunicação não verbal e muito mais. Entender essas diferenças é a base para promover a inclusão e demonstrar apoio aos indivíduos no espectro e suas famílias por isso pedimos ajuda a psicóloga Milena de Abreu Nunes para entender mais sobre o TEA.

O TEA é categorizado em três níveis com base no grau de apoio que o indivíduo precisa:

– Nível 1 refere-se a pessoas que requerem pouco ou nenhum apoio. Tais indivíduos podem ter dificuldades para interagir socialmente e expressar suas necessidades diretamente, mas com as estratégias certas, eles podem ter sucesso trabalhando, indo à escola e vivendo de forma independente.

– Nível 2 descreve indivíduos que precisam de apoio substancial. Eles enfrentam desafios mais graves em áreas de comunicação social e podem exibir comportamentos específicos que prejudicam as atividades diárias.

– Nível 3 se refere às pessoas que precisam de muito apoio sustentado. Essas pessoas são altamente dependentes de terceiros para as atividades diárias devido a severas limitações na comunicação verbal e não-verbal e apresentam comportamentos que os impedem muito nessas atividades.

“A conscientização sobre o TEA é ainda mais abrangente e inclui mudanças na sociedade para torná-la mais inclusiva. Desde apoiar famílias e facilitar a busca de diagnósticos e tratamentos apropriados, até o ajuste das escolas às necessidades educacionais especiais exclusivas desses alunos. A expansão da participação de adultos no mercado de trabalho é um dos tópicos mais desafiadores”, diz a psicóloga Milena de Abreu.

Para atingir esses objetivos, é crucial que a diversidade do autismo seja percebida como uma realidade e não uma deficiência. As histórias de sucesso de pessoas com o TEA inspiram positivamente a sociedade, uma vez que podem mostrar as habilidades de um indivíduo e a contribuição para a sociedade é benéfica. Além disso, o engajamento das famílias, dos educadores e dos profissionais da saúde é essencial para ajudar as pessoas autistas. No entanto, intervenções precoces, terapias comportamentais essenciais e acesso a recursos educacionais precisam ser integrados. Benefícios educativos, gestores do sistema, e todos os membros da sociedade necessitam conhecer o TEA. Com a conscientização, essas pessoas se coordenam para um enriquecimento superlativo, promovendo inclusão e justiça social para todos os interessados, independentemente do nível de autismo.


Serviço: Milena de Abreu Nunes
Psicóloga clínica
+55 41 9957-6235
@milenaabreu_psi
milenadeabreu2009@hotmail.com
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AutismoDestaque

Em um ano, 200 mil alunos com autismo foram matriculados em escolas comuns; falta de apoio a professores ainda é obstáculo

Colégios são proibidos de recusar a matrícula de um aluno com deficiência, mas ainda há desrespeito à lei, mesmo que de maneira velada. No Dia da Consciência do Autismo, entenda por que, apesar do avanço no número de estudantes com TEA, o Brasil ainda não pratica a inclusão plena de pessoas do espectro.

De 2022 a 2023, no Brasil, o número de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados em salas de aula comuns — ou seja, junto com alunos sem deficiência — aumentou 50%: saltou de 405.056 para 607.144, segundo dados do Censo de Educação Básica.

A presença desse grupo nas escolas vem crescendo a um ritmo acelerado, como é possível observar no gráfico abaixo. Em 2017, o total de alunos com TEA em escolas públicas e privadas não chegava nem a 100 mil, mostra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Agora, de um ano para outro, surgiram 200 mil novas matrículas.

Há duas explicações principais para esse aumento:

  • maior capacidade diagnóstica das equipes de saúde;
  • conscientização sobre a importância e a obrigatoriedade de acolher as crianças com TEA (leia mais abaixo).

Número de alunos com autismo nas escolas brasileiras

Obs: Até 2018, ainda havia separação entre “autismo” e “Síndrome de Asperger”. Aqui, as categorias foram somadas.

Cientistas e profissionais da educação reforçam que a convivência entre pessoas com e sem deficiência é benéfica para todos – tanto do ponto de vista social (compreensão das diferenças, cidadania, melhora na capacidade de comunicação) quanto do cognitivo (a escola deve apresentar os conteúdos de maneira que todos os estudantes possam aprender e desenvolver o pensamento lógico, o raciocínio matemático ou conhecimento histórico, por exemplo).

👎O problema é que a matrícula é só o primeiro passo – e as etapas subsequentes ainda deixam a desejar. Não basta “permitir” a entrada da criança.

“Precisamos garantir o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem. O aluno deve frequentar as aulas, aprender e participar das atividades. Incluir é muito mais do que colocar todo mundo na mesma sala”, afirma Renata Tibyriça, defensora pública do Estado de São Paulo.

No entanto, pelo que o g1 apurou a partir de entrevistas com professores, pesquisadores, defensores públicos, familiares de pessoas com autismo e os próprios indivíduos com TEA, há ainda os seguintes obstáculos:

  • formação frágil de docentes e funcionários, que acabam indo atrás de preparo por iniciativa própria, sem apoio da escola ou do governo;
  • falta de adaptação de atividades e aulas;
  • desconhecimento sobre como agir diante de surtos de agressividade e de outros possíveis sintomas;
  • bullying;
  • cobrança de taxas extras na mensalidade (prática ilegal);
  • descumprimento do direito a um acompanhante contratado pelo colégio;
  • evasão escolar e ausência de recursos para lidar com os diferentes tempos de aprendizagem.

Antes de ver os detalhes dos obstáculos acima, entenda:

📈O que está levando ao crescimento das matrículas de pessoas com autismo?

O Transtorno do Espectro Autista é um grande “guarda-chuva” que abarca pessoas com quadros bem diferentes – há desde aquelas de “grau 1”, que são mais independentes e precisam de menos suporte, até as de “grau 3”, que precisam de maior auxílio e não falam, por exemplo.

Em geral, os sintomas principais giram em torno de:

  • dificuldades de interação social,
  • problemas na comunicação
  • e alteração nos interesses (como resistência a mudanças de rotinas ou maneiras diferentes de brincar).

Como resumido mais acima, há duas explicações principais para o aumento de casos de TEA no mundo:

  • Maior capacidade diagnóstica:

Número de crianças de 8 anos com autismo

Estatísticas são calculadas a cada 2 anos nos EUA

O Brasil não tem, por enquanto, estatísticas próprias sobre o número de cidadãos com autismo no país. Mas, nos EUA, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) calcula que 1 em cada 36 crianças de 8 anos seja autista. Em 2000, era 1 em 150.

Esse crescimento na prevalência do transtorno está diretamente relacionado a um maior preparo dos profissionais de saúde para detectar casos de TEA. É possível, portanto, que entre os 200 mil novos estudantes com autismo de 2022 para 2023, estejam crianças que já estavam matriculadas em 2021, mas ainda sem diagnóstico.

Ainda que o corpo médico esteja mais instrumentalizado, há um caminho a percorrer, explica Patrícia Braga, professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da plataforma científica Pasteur USP.

“Estamos capacitando mais médicos agora, mas é um processo em construção que está muito aquém do necessário no Brasil. A idade média [da criança diagnosticada] é de 5 anos aqui, enquanto é de 3 anos na Europa”, explica.

Anita Brito, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, conta que não encontrou psicólogos ou médicos especializados em autismo quando começou a investigar o caso de Nicolas, seu filho.

“Ele tem 25 anos e é um autista ‘clássico’ [com os sintomas mais característicos de TEA], mas só foi diagnosticado aos 5. Eu mesma só descobri que também era autista em 2014, já adulta. Na minha casa, antes, a gente tinha rótulo de louco. Diziam que meu pai tinha o demônio no corpo.”

➡️Observação: Atualmente, cientistas estudam se, além do aumento da capacidade diagnóstica, existem elementos ambientais que podem estar elevando os casos de autismo, como determinadas infecções virais em grávidas. Mas não caia em fake news: a ciência já comprovou que as vacinas não levam ao autismo.

  • Maior conscientização e acesso aos direitos previstos em lei

“Uma escola que recusa a matrícula de um aluno com autismo está cometendo um crime”, explica a defensora Tibyriça.

Por exemplo:

  • A Lei nº 7.583/1989, artigo 8º afirma que “constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: I – recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência”;
  • E a Lei nº 12.764/2012, artigo 7º, diz que “o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.”

O aumento no número de matrículas mostra que há um melhor entendimento de que aceitar um aluno autista na escola não é nenhum favor. É uma obrigação legal.

Mas, mesmo diante desses avanços, ainda há, segundo a defensora pública, casos de escolas que recusam a entrada do aluno de maneira velada.

De repente, não tem mais vaga?

Filho de Emanuel faz atividade com professora em escola comum — Foto: Arquivo pessoal

“O que tem acontecido é que, quando as famílias dizem que o filho é autista, o colégio particular diz que não tem mais vaga. E aí fica muito difícil provar que foi uma decisão motivada pela deficiência. Os pais só descobrem depois, quando veem que outra criança sem autismo conseguiu entrar na escola”, conta Tybiriça.

“Outra situação clássica é a direção tentar convencer de que não conseguirá oferecer o atendimento adequado. Expõe as dificuldades e tenta desencorajar a família.”

O psicopedagogo Lucelmo Lacerda, professor da Especialização em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) do CBI of Miami, passou por uma situação parecida com um de seus filhos, que tem autismo e foi matriculado em uma instituição de ensino comum.

“Chamavam várias e várias vezes a gente para ir buscá-lo. Havia a intenção clara de fazer com que ele não fosse mais [para as aulas], até que ele acabou mesmo saindo [do colégio]. A escola inclusiva precisa dar condições de permanência. Estar matriculado não é estar com tudo resolvido.”

Ao g1, Cláudio Vinícius Dornas, diretor da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (que representa cerca de 48 mil escolas privadas do país), afirmou que:

  • os autistas estão “em mais evidência em relação a outras deficiências, o que já traz um grande problema (…), trazendo a falsa impressão de que as outras são secundárias e de pouca importância”;
  • embora os colégios sejam proibidos de negar matrícula a pessoas com deficiência, não são obrigados a “elaborar um projeto pedagógico específico (…) [nem] receber de forma indiscriminada todo e qualquer tipo de pessoa deficiente [o termo ‘deficiente’ não é mais usado, e sim ‘pessoa com deficiência]”;
  • dependendo do grau da deficiência, “é impossível o estabelecimento de ensino suprir a demanda pedagógica daquele aluno singular” e que as escolas devem ter “uma conversa franca” com os pais, para “evitar frustrar a expectativa deles”.

A defensora pública Renata Tibyriça, no entanto, explica mais uma vez que “a escola privada, assim como a pública, não pode recusar matrícula ou apoio para os alunos com deficiência. A recusa de matrícula é crime, com penalidade administrativa e possibilidade de ação indenizatória”.

Ela diz também que a Lei Brasileira de Inclusão prevê a obrigação de realizar estudo de caso e plano de atendimento educacional especializado, e de oferecer todas as formas de apoio. “A Confenen tentou evitar a aplicação disso às escolas privadas com uma ação direta de inconstitucionalidade”, conta a defensora.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, no entanto, em 2016, que as normas se aplicam a todos, inclusive da rede privada.

Mais abaixo, você lerá também sobre outras dificuldades para a inclusão plena.

✏️‘Eu tinha 4 autistas na sala, mas nenhuma capacitação. Eu mesma procurei uma pós’, diz professora

Os professores ouvidos pela reportagem pediram para não ser identificados e tiveram seus nomes trocados.

Mariana*, da rede pública de uma grande capital, chegou a ter quatro alunos com autismo na mesma turma.

“Um era diferente do outro: um só mexia as mãozinhas sem parar; outro era bem agressivo e jogava a mesa e a cadeira, por exemplo. Eu não queria deixar ninguém no canto da sala. A coordenação me ajudou, mas acabei correndo atrás de formação por conta própria”, relata.

“Foi um choque. O que eu ia fazer com aquelas crianças? Fui atrás de uma pós-graduação no assunto, porque sabia que ia encontrar mais alunos que precisavam de apoio.”

Ela não teve nenhuma ajuda de custo para pagar os estudos.

“Nós não temos nada: não recebemos capacitação, não temos materiais didáticos apropriados. A escola não tem verba. Queremos desenvolver nosso trabalho, mas falta auxílio do governo. O gratificante é ver, no fim do ano, que os pais não se sentiram abandonados e que a criança conseguiu se desenvolver.”

Luana*, quando estudava em um curso de formação de professores, fazia estágio obrigatório e não remunerado em uma escola pública. Aos 17 anos, mesmo sem experiência ou conhecimento adequado, ela passou a ser acompanhante de um aluno autista de 13 anos.

“A pessoa responsável parou de ir, aí me colocaram no lugar. Eu fiquei com medo, estava insegura, não tinha preparo nenhum. Ninguém quer saber se temos suporte e se o aluno vai ser bem atendido. As escolas estão cada vez mais lotadas de alunos com deficiência, mas não vejo gente qualificada em número suficiente”, conta. “Na teoria, tudo é lindo. Na prática, ninguém quer saber.”

Assim como Mariana, Luana também decidiu se instrumentalizar por conta própria e entrou na faculdade de psicologia. Atualmente, aos 23 anos, ela trabalha como mediadora de conhecimentos de um menino com TEA de 4 anos, em uma escola particular. “A família dele que me contratou, para que eu tenha contato com todas as terapeutas que o atendem. Agora, sim, me sinto mais preparada.” [entenda mais abaixo se essa prática é permitida]

No ensino médio de uma rede estadual, a professora Noêmia diz que está exausta. “Não dispomos de materiais adequados. É uma inclusão de faz de conta. Quando dá certo, é porque o professor buscou sozinho [recursos].”

Ao g1, o MEC afirmou que ações de formação docente têm sido o foco da pasta, para que “a escola seja para todos”. Disse também que ampliou, em novembro de 2023, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que prevê o preparo de professores, a entrega de ônibus acessíveis e a distribuição de recursos de tecnologia assistiva, por exemplo.

🧑‍🎓Como formar professores?

O psicopedagogo Lucelmo Lacerda diz que a formação continuada (aquela que é feita ao longo da carreira do professor, mesmo depois da licenciatura) não pode ser apenas sustentada por palestras.

“Os melhores resultados vêm de onde os docentes receberam preparo. Aqui no Brasil, ficam falando só de respeitar as diferenças. O preparo vai muito além de ajudar a sensibilizar e tocar o coração dos professores. Existe ciência nisso”, afirma.

Os profissionais da educação devem aprender, tanto na universidade quanto na formação continuada, como adaptar atividades para pessoas com deficiência, de que forma agir para prevenir surtos de agressividade e como integrar os alunos com dificuldade de socialização, por exemplo.

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Não existe uma fórmula pronta, até porque cada aluno com autismo é diferente do outro.

“Eu, por exemplo, sou autista nível 1 [que necessita de pouco suporte no dia a dia]. Se eu estivesse na escola, precisaria talvez de um grupo que me ajudasse nas habilidades sociais e prevenisse o bullying”, diz Lucelmo.

“Já meu filho é de nível 3 [muito suporte]. Ele não fala e não entende o que é falado. Precisa de adaptações no conteúdo: não adianta querer ensinar para ele o que é oração coordenada sindética. Tem de ensinar os nomes dos colegas, as letras. Adaptar o conteúdo mesmo.”

➡️O Parecer 50, documento com boas práticas para lidar com alunos com TEA, já foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), mas falta a homologação do Ministério da Educação (MEC). Entre os defensores da inclusão, há dois grupos: os que defendem o parecer, por acreditarem que traz o embasamento científico necessário para amparar as escolas, e os que acreditam que faltou debate com educadores para a elaboração do texto.

👨‍👦Desrespeito ao direito a acompanhante

Quando comprovada a necessidade pela escola, os alunos com TEA têm, por lei, direito a dois tipos de acompanhante:

  • um auxiliar que ajude nas atividades do dia a dia, relacionadas à higiene e à alimentação;
  • um profissional que foque nas questões pedagógicas e ajude na comunicação, na concentração do estudante e na adaptação de atividades feitas pelo professor titular.
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A defensora pública Renata Tibyriça costuma receber casos de pais de alunos que, mesmo mostrando ao colégio a urgência de um acompanhante ou um “mediador”, ouvem um “não” como resposta. A Justiça, então, é acionada para garantir que a criança ou o adolescente receba o atendimento adequado.

E atenção: a escola não pode cobrar nenhuma taxa extra dos pais do estudante para que os serviços acima sejam prestados.

Na rede privada, principalmente, tem se tornado comum que a própria família contrate um acompanhante de confiança para estar com o aluno em sala de aula. A legislação, no entanto, reforça que isso deve ficar a cargo da instituição de ensino.

O que se espera da escola?

  • 📝Planejamento pedagógico:

A partir de uma avaliação pedagógica, é necessário avaliar quais as maiores necessidades da criança/adolescente e definir um “plano de atendimento”. Será preciso adaptar materiais? Oferecer mais tempo para prova? Usar tecnologias assistivas?

“O problema é que, em geral, essa avaliação demora para acontecer. Ninguém sabe do que o aluno precisa, e ele acaba ficando jogado no fundo da sala”, afirma Tibyriça.

O ideal é que a escola tenha ao menos um profissional especialista em educação especial para orientar os demais professores e discutir cada caso.

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  • ✂️Adaptação de atividades e avaliações:

O importante é adaptar as atividades de acordo com as necessidades de cada aluno. É um desafio que aumenta no decorrer dos anos escolares, quando os conteúdos vão ficando mais abstratos.

Especialistas recomendam que toda a turma esteja envolvida no mesmo tema, mesmo que com diferentes abordagens. Por exemplo: se todos do 6º ano estão aprendendo a fazer contas com algarismos decimais, um aluno com deficiência que ainda não saiba somar pode ser desafiado a fazer um trabalho mais simples, também relacionado a números.

🕹️Anita Brito, citada no início da reportagem, conta que os professores de Nicolas usaram o Super Mario, “ídolo” do menino na infância, para despertar o interesse dele nas disciplinas escolares.

“Na prova de biologia, todo o conteúdo de plantas carnívoras e animais herbívoros tinha relação com o Mario. Na aula de português, meu filho aprendeu pontuação a partir de diálogos do personagem. Depois, a gente foi tirando aos poucos [as referências ao game]”, conta.

Nicolas, que atualmente trabalha como escritor, fotógrafo, artista plástico, palestrante e atendente terapêutico, lembra que o recurso realmente o ajudava a prestar mais atenção.

“Eu gostava muito do Super Mario, aí isso me ajudava a entender a lição de maneira mais clara. Ajudava na dificuldade de interpretação”, diz. “Os professores me passavam lições sem sair do assunto da matéria, mas de forma mais simplificada.”

Jary, que tem autismo, estuda em escola comum de Nova Iguaçu (RJ) — Foto: Arquivo pessoal

Emanuel Santana, fundador da Adapte (startup de educação inclusiva) e pai de dois meninos com autismo e de uma menina neurotípica, defende o desenvolvimento de recursos de comunicação alternativa (como pictogramas, pranchas visuais, cartões postais, calendários e painéis ilustrativos).

“As pessoas reclamam que os autistas gritam. Mas, se você deixar uma figurinha com o desenho de uma privada, por exemplo, o aluno pode puxá-la e entregá-la para o professor [quando precisar ir ao banheiro]. É uma forma de comunicação que pode funcionar”, diz.

Um recurso semelhante deu certo com Jary, de 7 anos, filho da técnica de segurança Marilene Valladares, em Nova Iguaçu (RJ). “Na primeira escola, ele falava ‘ai, ai’ e ninguém entendia o que era. Ele estava com frio. Depois que passou a usar o tablet como comunicação alternativa, isso melhorou. Ele tem dias mais receptivos, outros menos, mas está superando nossas expectativas aos poucos.”

  • Questões sensoriais:

Podem ser feitas adaptações que minimizem os incômodos de alunos com TEA (muitos têm sensibilidade auditiva, visual ou tátil, por exemplo). É possível diminuir a luz da sala, colocar cadeiras com rodinhas sobre o carpete (para evitar o barulho de arrastá-las) e comprar apoios para os pés. “Se for uma demanda de mexer as mãos, a escola pode dar aquelas bolinhas de apertar. Ou, se o aluno quiser se balançar na carteira [é um movimento repetitivo comum], alguém pode levá-lo até o balanço do parquinho”, sugere Santana.

Minha experiência foi traumatizante’: a importância do combate ao bullying

“Os autistas são vítimas perfeitas do bullying, diz a literatura científica. Não temos sinais físicos de deficiência e apresentamos inabilidade social. Quanto mais leve for o autismo, maior é o risco de outras crianças e jovens praticarem bullying. Nos casos mais severos, com o transtorno mais nítido, acontece menos”, conta o psicopedagogo Lucelmo, que tem TEA.

“Minha experiência foi extremamente traumatizante e violenta. Eu sofri em todas as escolas”, lembra.

Ele diz que as escolas devem investir em:

  • canais de denúncia de bullying;
  • palestras sobre diversidade que incluam famílias e alunos;
  • definição do que será feito caso algum episódio de discriminação aconteça;
  • treinamento de habilidades sociais para todos os alunos que tenham prejuízos na socialização.
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E as escolas exclusivas para pessoas com deficiência? Podem existir?

Esse é um ponto sem consenso entre os especialistas:

  • há quem defenda a inclusão incondicional, chamando o ensino exclusivo de “excludente”;
  • e existem os que acreditam que, para alguns alunos com deficiência, uma instituição especializada pode trazer mais ganhos.

“O aluno tem direito de ir para a escola comum, mas pode ser que, na prática, o formato acabe não sendo tão produtivo em alguns casos. Os educadores têm de considerar essas diferenças. Alguns vão se adaptar bem, outros, não. Cada autista é único”, diz Patrícia Braga, da USP.

Lucelmo concorda e diz que nenhum país do mundo aboliu as escolas especializadas. “Vão dizer o quê? Que a Finlândia é um retrocesso na educação? A Holanda? A Suíça? É um discurso que ganha ares de progressismo, mas que não faz sentido.”

Já a defensora Renata Tibyriça enxerga a existência do ensino especializado como um estágio de transição até que as escolas comuns consigam praticar a inclusão de maneira mais efetiva.

“Talvez, essas instituições desapareçam se a educação comum realmente for para todos. Não pode haver incentivo para um sistema segregado. Essa coexistência [das duas modalidades] pode acontecer agora, mas os investimentos devem ser feitos nas escolas inclusivas.”

Atualmente, o Censo Escolar mostra que apenas 4,5% das pessoas com TEA que estão matriculadas na educação básica foram, de fato, para o ensino voltado apenas para quem tem deficiência.

Um decreto promulgado pelo então presidente Jair Bolsonaro, em setembro de 2020, incentivava a criação de classes e escolas especializadas em educação especial. O texto, criticado por especialistas por supostamente violar o direito à inclusão, foi revogado pelo presidente Lula em janeiro de 2023, assim que assumiu o mandato.

AutismoDestaque

Bullying na escola: “grande parte desses indivíduos são indivíduos autistas”

Durante o Março Laranja, momento em que a conscientização contra o bullying nas escolas já ganha novo enfoque, prestar atenção às crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) é ainda mais necessário.Segundo o pesquisador de Autismo e Inclusão Lucelmo Lacerda, a dificuldade de estabelecer conexões e interações sociais, além do preconceito que muitos ainda têm com o autismo, cria situações de extrema vulnerabilidade para pessoas no espectro.

Por isso, ele alerta para a necessidade de cuidados redobrados na criação e na educação de crianças autistas.Lacerda é doutor em Educação, autista e pai de autista. Em entrevista para a Gazeta, ele esclareceu qual o papel de pais, professores e colegas na identificação e na prevenção do bullying, e como lidar com essas situações.

Confira:

Como o mês de março, dedicado à conscientização contra o bullying nas escolas, destaca a importância de prestar atenção às crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista)?
A literatura científica especializada classifica os estudantes com autismo como “vítimas perfeitas” do bullying, por vários motivos.Porque esses indivíduos têm dificuldades em termos de habilidades sociais, porque eles não têm sinais físicos que indicam essa condição, que é considerada uma deficiência. Então, quando você fala em bullying na escola, grande parte desses indivíduos são indivíduos autistas. Então há um interesse especial neste público quando o assunto é bullying.Em seu livro, você menciona a extrema vulnerabilidade das pessoas no espectro autista devido às dificuldades de conexões sociais. Quais são os principais desafios sociais enfrentados por elas?

As características do autismo implicam que haja um prejuízo muito expressivo na reciprocidade socioemocional. E na comunicação não verbal. Então, quando a gente fala, quando a gente conversa, quando a gente interage, não é só o que é dito que importa, mas como é dito dos vários sinais sociais que são emitidos ali. Como pessoas autistas podem ter dificuldades com esses sinais, isso pode ser muito complicado, porque uma fala, por exemplo, que é irônica, que é sarcástica, ela pode ser entendida literalmente. Alguns estudantes autistas têm dificuldade inclusive com a própria linguagem, então isso pode amplificar todos esses prejuízos. E aí, quando você não entende essa intencionalidade, você fica mais submetido às situações em que haja malícia nessa relação, e aí vira um alvo muito grande, principalmente na adolescência, de brincadeiras jocosas e de agressões.

Qual é o papel crucial de pais, professores e colegas na identificação e prevenção do bullying contra crianças autistas?
Se a gente não contar com o coletivo, a gente não vai conseguir superar o bullying, né? A gente precisa que quando um bullying comece a perpetrar esse tipo de violência, as outras pessoas imediatamente, os outros estudantes imediatamente se recusem a participar dele. É quando esses outros alunos se dispõem a participar dele, é que ele se amplifica. A gente precisa que eles recusem, mais do que isso, a gente precisa que eles denunciem. A gente precisa também que os professores que vejam, que os pais que vejam denunciem, que os pais dos outros alunos trabalhem com seus filhos em relação a isso. A gente precisa, claro, também de uma política da escola de recepção dessas denúncias, um canal claro. Todo estudante deve saber quando há bullying qual é o canal apropriado para ele denunciar. Os professores também. E saber identificar. Então, a escola tem que fazer um trabalho muito sério para que todos esses agentes saibam identificar o que é uma situação de bullying para poder fazer essa denúncia.

Sua crítica à política de Inclusão Total nas escolas brasileiras destaca a precariedade do ensino regular. Como essa abordagem afeta crianças e adolescentes neurodivergentes?
Essa questão afeta todos, especialmente aqueles com neurodivergentes. Por quê? Porque os estudantes com desenvolvimento típico, quando a escola falha, eles têm mais recursos para correr atrás dessas lacunas que a escola não conseguiu cumprir porque não está trabalhando baseado na melhor evidência científica disponível. Estudantes com deficiência, em grande parte das vezes, não têm esses mesmos recursos. Eles precisam muito mais do apoio da escola. A probabilidade de, por exemplo, eles não serem alfabetizados, serem vítimas de bullying, não conseguirem desenvolver uma série de outros conhecimentos, de habilidades importantes para sua vida, é muito grande. E, se você considerar que a escola é o principal serviço público oferecido para essas crianças, então, o nosso desafio é muito grande.

Na prática, como a lacuna de aprendizagem nas escolas brasileiras, especialmente nas públicas, prejudica o desenvolvimento de crianças com necessidades especiais?
Bom, temos que entender que a escola é o único serviço muito precoce a que eles têm acesso, porque é muito difícil ter isso na saúde. É o único serviço intensivo, de grande calibre de horário, porque as intervenções para esse público só funcionam em grande calibre de horário. Na saúde, normalmente, você vai conseguir 15 minutos, uma vez por semana, quando muito. E é o único serviço que, de fato, cria condições também de desenvolvimento de habilidades sociais, ou seja, e que é realmente universalizado. Tem no Brasil inteiro. Todo mundo tem acesso. Ou seja, ele é o serviço por excelência mais fundamental na vida dessas pessoas. Então, todos os aprendizados de habilidades sociais, de desenvolvimento acadêmico e de desenvolvimento propriamente dito, que esse indivíduo poderia ter, ou ele vai ter na escola, ele não vai ter. É muito difícil ele ter em outro contexto. Então, o que a escola produz é ausência. É uma lacuna em todos esses aspectos.

Pode explicar a diferença entre Inclusão Total e Educação Inclusiva? E como essas abordagens se refletem na realidade escolar?
Do ponto de vista da inclusão total, o estudante precisa estar matriculado na escola, então o professor vai dar uma aula padronizada, mas uma aula que sirva para todos. Mas uma aula padrão. Ele não pode olhar para as especificidades individuais dos estudantes. Então, ele precisa fazer uma aula que seja diversa o suficiente. Acontece que nós não temos na literatura científica, em nenhum lugar do mundo, em termos de política pública, nenhuma descrição, nenhum experimento, nenhum estudo científico que tenha uma aula única, padronizada, que sirva para todas as pessoas, de toda a diversidade da humanidade. Embora a ideia seja boa, ela não existe. Enquanto a educação inclusiva pressupõe que, quando umestudante com deficiência está matriculado na minha sala, eu tenho que olhar para a sua especificidade, para a sua individualidade. E aí, eu trabalhar com essa individualidade, faço um plano educacional individualizado para ele. E aí eu vou dar o apoio que ele precisar. Pode ser pouco, pode ser médio, pode ser muito. E no caso do Brasil, apesar de a legislação acolher uma versão de educação inclusiva, na prática escolar, em grande parte dos documentos, a versão é da inclusão total. Então, é isso que está hegemônico. A ideia de que você simplesmente matricula o indivíduo, coloca na escola. E aí você tem um respeito pela diversidade e as coisas vão acontecer. E aí isso produz, claro, uma lacuna gigantesca.

Você destaca a importância das Práticas Baseadas em Evidências. Como essa abordagem científica pode melhorar a educação para crianças com deficiências?
Vejam, nós temos duas possibilidades. Ou nós vamos trabalhar com coisas que já foram testadas e aprovadas, ou nós vamos trabalhar com aquilo que a gente ia imaginar. A gente cria, a gente inventa e a gente vai implementar. Então é claro que se eu estou falando principalmente de pessoas com deficiência, pessoas em condição de vulnerabilidade, eu não tenho o direito de errar. Eu não tenho o direito de fazê-la de cobaia e de ficar testando. Entende? Então ele tem o direito de exigir que eu estude o suficiente para chegar lá fazendo aquilo que tiver a melhor evidência. É como se você vai num médico e você imagina que o médico vai inventar. Eu tenho 10 cirurgias aqui que eu gostaria de testar, então eu vou testar todas em você. É claro que não faz sentido, eu tenho que pegar a melhor cirurgia que existe para aquele caso e usá-la. Porque é direito desse indivíduo ter acesso ao melhor e na educação da mesma forma.

Diante dos desafios apresentados, quais são as soluções que você propõe para garantir um ensino especializado e eficaz para cada aluno?
Acho que nós temos duas questões. A primeira é garantir uma formação que seja baseada nessas perspectivas científicas. Então isso precisa mudar. Nós podemos mais ter uma formação que é baseada numa autoajuda que diz que se você respeitar a diferença, está tudo resolvido. Isso não é verdade, isso é falso e isso não está levando a gente a lugar nenhum. Então a gente precisa mudar e ao invés de a gente ter essas palestras de autoajuda no nosso circuito como professores com formação continuada, formação de serviço, que isso seja treinamento para implementar práticas com evidência. A segunda coisa é que isto não resolverá todas as questões, considerando que você tem um problema estrutural. Você tem um problema de pessoas, você tem um problema de estrutura física, você tem um problema de salas superlotadas. Então tudo isso são questões importantes que precisam ser endereçadas para a gente conseguir implementar adequadamente essas práticas. Elas não podem ser implementadas em um ambiente hostil.

Em “Crítica à Pseudociência em Educação Especial”, você analisa diversas correntes na Educação Especial. Pode compartilhar algumas reflexões principais destacadas em sua obra?
Nessa obra o que eu faço é olhar para os documentos da educação especial no brasil e me perguntar esses documentos essas coisas que estão em vigor aqui no brasil elas seguem qual dessas linhas educação inclusiva inclusão total né e aí eles são partidários da inclusão total e mais do que isso quando a gente olha para o mundo o que que você vê o que você vê olhando para Europa né aí eu tenho um destaque no texto em relação a Finlândia como é que que acontece quando você olha para os estados unidos então é uma unanimidade que todos os lugares desenvolvidos trabalham com a perspectiva da educação inclusiva né então quando você compara o que se faz nos países que têm uma educação mais adequada e no brasil é chocante é absolutamente chocante né e quando. E percebe que no Brasil tudo aquilo que você faz, que se faz, já tem uma série de estudos científicos que já demonstraram que é totalmente ineficaz e ineficiente, é também uma questão chocante. Como é que você faz um monte de experimento? Você demonstra que o negócio não serve, não funciona, e aí a gente tem no Brasil país que tem na sua constituição um compromisso tão expressivo com os direitos humanos, você tem esse tipo de política, principalmente para esse público mais vulnerável, é realmente chocante.

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